No tocante ao trabalho de conclusão de curso sobre O Levante Comunista de 1935 e as representações sobre Luiz Gonzaga de Souza, de José Borges da Conceição Filho.
O trabalho de conclusão de curso foi realizado sob a orientação do Professor Doutor Homero de Oliveira Costa e está disponível na internet, contendo 49 páginas no formato pdf. No site Scribd, é descrito como um documento que analisa as diferentes representações construídas sobre a figura de Luiz Gonzaga de Souza, soldado morto durante o Levante Comunista de 1935 no Rio Grande do Norte; e estuda as narrativas conflitantes e como refletem interesses ideológicos distintos na representação de Gonzaga e do levante de 1935, com autores comunistas e anticomunistas apresentando narrativas distintas e conflitantes, visando atender os interesses de suas ideologias. É dividida em três partes: uma introdução; um desenvolvimento com três capítulos; e uma conclusão.
José Borges da Conceição Filho começou a sua formação acadêmica no ano de 2006, quando iniciou a graduação em História (bacharelado) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), concluindo em 2010. Especializou-se em História do Rio Grande do Norte pela Universidade Potiguar. Participou de eventos como o 3º Colóquio Internacional de Ciências Sociais, o 2º Encontro Internacional de História Colonial, e o Encontro de História e História em Quadrinhos. Possui outras produções bibliográficas como Os Discursos Acerca da Redefinição da Identidade Militar no Rio Grande do Norte Após a Intentona Comunista; Asterix e a Identidade Francesa; e Natal na Segunda Guerra Mundial: o Cotidiano da Cidade de Natal.
O Levante Comunista de 1935 no Rio Grande do Norte promoveu um governo comunista no Brasil, tendo seguido o padrão de um golpe militar clássico, com ataques de militares rebeldes a quarteis. O movimento derrubou o governador Rafael Fernandes Gurjão e dirigiu o Estado por três dias com um comitê popular revolucionário. O levante chegou ao final quando nenhuma guarnição importante aderiu à insurreição, provocando a fuga dos rebelados, que foram capturados posteriormente pela polícia. Vinte pessoas foram vitimadas, mortas, na ação promovida pelo movimento da esquerda no Rio Grande do Norte.
A seguir, será realizada uma exposição sintetizada da monografia sobre O Levante Comunista de 1935 e as representações sobre Luiz Gonzaga de Souza, de José Borges da Conceição Filho, com algumas opiniões e reflexões sobre conteúdos específicos da obra.
Na introdução, o autor expôs que o seu objetivo foi estudar a construção das representações sobre a figura do Soldado Luiz Gonzaga de Souza, da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, do período de 1935 até 1985, abordando tanto o discurso anticomunista como o discurso comunista, por meio de uma discussão bibliográfica. Destacou que esta representação, que tornou-se um campo para o debate de historiadores e estudiosos, começou a sofrer ataques na década de 1970, sendo que em 1980, o livro “82 Horas de Subversão”, reafirmou a posição de mártir do soldado, que foi novamente atacada em 1985 no livro “A Revolta de 1935 em Natal”. Para o estudo, incorporou as noções de representação de Roger Chartier e de Carlo Ginzburg.
Ao tratar das ideologias políticas nos anos 30, iniciou indicando que o advento da República trouxe à cena novas forças políticas: a classe média, a burguesia urbana, o proletariado urbano e os militares. O operariado, politizado com ideias anarco-sindicalistas, se contrapunha, de certa forma, às oligarquias existentes. Destacou que o movimento comunista propunha a tomada do poder por meio revolucionário, provocando o surgimento, como contraponto, da Ação Integralista Brasileira, o que ocasionou uma espiral de confrontos provocada pela falta de um espaço para buscar um convívio consensual. O comunismo e o integralismo no Brasil representavam os dois extremos da radicalização política.
Sobre o comunismo, o autor expôs que a sua origem foi na Alemanha do século XIX, baseada em ideias do filósofo alemão Hegel, que influenciou Karl Marx e Friedrich Engels na formulação do pensamento comunista fundamentada no conflito entre proletários e burgueses. As ideias que construíram a base da ideologia comunista foram formalizadas e propagadas por meio do Manifesto do Partido Comunista, que conclamou a união dos operários para promover a revolução por meio de uma ditadura. As ideias de Marx e Engels influenciaram os movimentos sindicais de toda a Europa e o pensamento de Vladimir Lênin, que liderou os Bolcheviques em eventos revolucionários russos em 1905, consolidando-se como líder inconteste da nação russa, primeira ditadura comunista do mundo.
Detalhando o comunismo na Era Vargas, apontou para a atuação de Luís Carlos Prestes e destacou a participação do Partido Comunista Brasileiro na fundação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), em 1935. Esta organização atraiu todos os movimentos de orientação esquerdista e passou a hostilizar o governo, que respondeu decretando a ilegalidade da Aliança. No dia 23 de novembro de 1935, militares do 21º Batalhão de Caçadores se rebelaram, sendo seguidos no dia 24 pelo 29º Batalhão de Caçadores em Jaboatão e no dia 25 pelo 3º Regimento de Infantaria no Rio de Janeiro. Os rebeldes foram derrotados e, muitos deles, presos. Este episódio gerou profundo ressentimento do Estado à ideologia comunista, levando-o a instalar, posteriormente, um regime ditatorial, forte e nacionalista.
Na descrição da conjuntura política do Rio Grande do Norte nos anos 30, o autor apontou para a dificuldade gerada pelas tentativas de substituição das oligarquias dominantes no estado e pela alta rotatividade das interventorias, alinhadas com a ideologia revolucionária. Além disso, informou que a década foi marcada pela reorganização do movimento sindical e por inúmeras ocorrências de violência durante os comícios e caravanas, retratando a situação tensa em que vivia o Estado. Da aproximação com os movimentos sindicais, surgiu uma identificação com o comunismo, embarcando em uma campanha política marcada pela polêmica e pela violência, o que resultou na impugnação de urnas em mais da metade dos municípios do Rio Grande do Norte.
Ao abordar a situação das forças de segurança no Rio Grande do Norte, o autor informou que o Estado se encontrava em uma situação delicada, em especial o exército. Citando Homero Costa, apontou que após as eleições de 1935, uma comissão de oficiais do exército e da polícia se dirigiram ao interventor e sugeriram a sua renúncia. A situação era caótica e obrigou que o Comandante da 7ª Região Militar se deslocasse de Recife para Natal, como forma de acalmar os ânimos e acompanhar a situação. A questão se agravou quando o interventor dissolveu a Guarda Civil. Além disso, o Partido Comunista Brasileiro viu na situação política uma oportunidade para a conversão de partidários para sua causa, para congregar as patentes mais baixas dos quarteis em torno da ideia de revolução.
Discorrendo sobre o Levante de 1935 no Rio Grande do Norte, indicou que o movimento foi liderado pelo sargento Quintino Clementino de Barros, que juntamente com o cabo Giocondo Dias e o soldado Raimundo Lima, deram voz de prisão aos oficiais de dia do 21º BC. Dominado o batalhão, deslocaram tropa para pontos estratégicos de Natal, encontrando resistência no quartel da polícia militar, onde foi morto Luiz Gonzaga de Souza. Na cadeia pública, os revolucionários tiveram a adesão de 68 presos que foram soltos e armados. Após o domínio da capital, o grupo passou a se deslocar para o interior do Estado, encontrando a resistência preparada por latifundiários da região, que impôs a primeira derrota em armas aos revoltosos.
A respeito das versões apresentadas sobre Luiz Gonzaga de Souza, o autor indicou que a discrepância sobre os acontecimentos entre os autores é enorme e que ainda há o “fantasma ideológico” pairando sobre a escrita de tal historiografia. Apontou que as duas principais figuras que produziram uma historiografia do evento no Estado foram o advogado e ex-chefe de polícia de Natal, João Medeiros Filho, e o juiz João Maria Furtado. Colocou a abordagem do primeiro como suspeita e com inconsistências, enquanto que a do segundo poderia estar impregnada de questões ideológicas e pessoais, em função de se alinhar às ideias comunistas e ter sido perseguido durante a repressão que se seguiu ao levante. Citou Homero Costa para destacar que ambas as versões apresentaram falhas.
Sobre o propósito das construções sobre Luiz Gonzaga de Souza, José Borges da Conceição Filho indica que João Medeiros Filho buscou enaltecer a figura do soldado enquanto que João Maria Furtado desejava desqualificá-lo. Diante das informações conflitantes e recheadas de ideologias, o autor apontou que o único fato certo é o de que houve um morto no decorrer do levante; que esse morto foi transformado na representação maior do espírito legalista do Rio Grande do Norte, com a contribuição dos diversos autores, mesmo os detratores; e que passou de ilustre desconhecido a heroi do Estado. O soldado Luiz Gonzaga de Souza passou a representar um bravo que se fortalecia com os ataques desferidos por seus detratores movidos pela ideologia comunista.
Em sua conclusão, José Borges da Conceição Filho deixou claro que os estudos sobre os levantes de 1935 apresentam diversas versões sobre os fatos, sendo difícil apontar certeza se Luiz Gonzaga de Souza era, de fato, um soldado da polícia militar, ou se era apenas uma pessoa comum. Considerou que o objetivo de apresentar o porquê de existirem tais dúvidas quanto à sua condição de soldado, demonstrando que existiu um propósito, sentimento ou interesse, que levou suas fontes primárias à escolha de uma versão particular para retratar o caso, foi alcançado. Deixou claro que para os conservadores Luiz Gonzaga de Souza representa as virtudes de um soldado morto ao combater o arbítrio e para os comunistas um engodo, uma falsidade.
Como referências para o desenvolvimento do seu trabalho, o autor utilizou vinte e quatro obras. Da bibliografia utilizada, dez livros tratavam diretamente do Levante de 1935, sendo que cinco abordaram a especificidade do movimento ocorrido em Natal. As demais catorze publicações apresentaram o contexto da época, abordando aspectos sobre o comunismo, o período de governo de Getúlio Vargas e a própria situação do Brasil, entre outros. Destaca-se a obra do próprio orientador de José Borges da Conceição Filho, o Professor Doutor Homero de Oliveira Costa, com o livro "A Insurreição Comunista de 1935: Natal, o primeiro ato da tragédia".
Além dos livros pesquisados, o autor também se dedicou a outras fontes, buscando nos jornais da época subsídios para o detalhamento do seu trabalho. Nesse contexto, informou que utilizou arquivos dos jornais A Ofensiva, A Ordem, A República e Inconfidência. Na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional é possível encontrar exemplares do Jornal A Ordem, que era um jornal de orientação católica, editado e dirigido pelo Centro de Imprensa CMM, com a primeira publicação em 14 de julho de 1935. Há também exemplares do Jornal A República, indicando ser uma publicação diária e um Órgão do Partido Republicano Federal, sem, contudo, possuir exemplares do período do levante.
O trabalho trouxe anexos seis documentos. O primeiro é a primeira página do jornal “A liberdade”, publicado pelos rebeldes, propagando as ideias comunistas. O segundo é um telegrama de Getúlio Vargas para Oswaldo Aranha. O terceiro é um documento no qual o Congresso anuncia que a grande maioria concedeu o Estado de Sítio por trinta dias. O quarto é uma página do jornal “A Ordem” tratando do décimo ano do levante de 1935 em Natal. O penúltimo é outra página do jornal “A Ordem” tratando especificamente sobre Luiz Gonzaga de Souza. O último é uma página do jornal “A Ofensiva” que acusa o juiz João Maria Furtado de ser comunista.
O Levante Comunista de 1935 no Rio Grande do Norte, iniciou em 23 de novembro de 1935, sendo a primeira ação, de um total de três, que atingiram outros dois Estados: Pernambuco e Rio de Janeiro. Luiz Carlos Prestes foi o responsável pela logística e planejamento das ações, contando com a ajuda do governo da União Soviética e com a influência que possuía no meio militar. O levante estava inserido na sistemática propagada pelo Komintern, que propunha a ação revolucionária como meio de derrubada do poder que considerava burguês.
Em síntese, a morte de Luiz Gonzaga de Souza foi utilizada tanto pelos comunistas como pelos anticomunistas para tentar impor uma narrativa que servisse aos propósitos de suas ideologias, pouco importando a realidade ou a decência para com a vítima fatal da ação violenta e descabida daqueles que tentaram impor a sua visão de mundo por meio da força. Independente das versões divergentes, pode-se dizer que o traslado dos restos mortais de Luiz Gonzaga de Souza, do Cemitério do Alecrim até um mausoléu na sede da Polícia Militar do Rio Grande do Norte trouxe mais dignidade para a vítima, mesmo que seja utilizada como uma importante representação simbólica das virtudes de seu grupo.
Os acontecimentos do Levante de 1935 foram consequências das décadas de 1920 e 1930, marcadas por conflitos políticos e ideológicos, com uma crescente participação do Exército. Some-se a isso o fato de que a tomada de consciência de classe foi um processo lento e violento, colocando mais efervecência tendo na desigualdade social motivo de descontentamentos e ressentimentos, que levaram em 1922, à fundação, no Brasil, do partido comunista. O contexto político do país levou o Congresso Nacional a aprovar a Lei de Segurança Nacional (LSN), em 30 de março de 1935; e a influência de países estrangeiros possibilitou que Luiz Carlos Prestes planejasse e organizasse o levante.
Por fim, no dia 23 de novembro de 1935, militares comunistas revolucionários promoveram na guarnição do 21º Batalhão de Caçadores de Natal uma rebelião na qual prenderam os oficiais da unidade e iniciaram o levante. Dias depois, na região do Seridó, houve resistência por fazendeiros locais, juntamente com a população da região, que, armados, impuseram a primeira derrota aos revoltosos. É lamentável que autores ou historiadores se deixem levar pelas suas ideologias ou pelos seus interesses pessoais, vaidades ou vingança, para manipular os fatos e estabelecer narrativas que assassinam a realidade, vitimando também a própria história como ciência. Resta a certeza de que Luiz Gonzaga de Souza foi uma vítima da ação violenta dos comunistas.
Para aprofundar e detalhar mais as ideias apresentadas neste texto é importante que se busque a leitura completa do trabalho de conclusão de curso sobre O Levante Comunista de 1935 e as representações sobre Luiz Gonzaga de Souza, de José Borges da Conceição Filho, bem como conhecer um pouco mais sobre o autor. Para ambas atividades é possível encontrar material na internet.
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