No tocante ao livro “Críton (o dever)”, de Platão.


O livro utilizado foi encontrado gratuitamente na internet, no Portal DOCERO. D
atilografado por Miguel Duclós para a Consciência Homepage, possui 15 páginas no formato PDF. Trata-se de uma obra de domínio público, sendo disponibilizada online, sem custo, em diversos portais. Extraído do livro Diálogos, da coleção Clássicos Cultrix, expõe uma conversa entre dois personagens: Sócrates e Critão; dois velhos amigos que conversam em uma cela na prisão de Atenas. Na conversa, verifica-se a exposição de ideias sobre a forma de agir diante de uma situação concreta.

Platão, o autor da obra, foi o apelido dado à Arístocles por causa de seus atributos físicos (forte de ombros largos), tendo sido um ateniense de família aristocrática que praticava esportes e se interessava por política, vindo a tornar-se um discípulo de Sócrates. Escreveu os diálogos socráticos, que são as principais fontes de conhecimento sobre o pensamento de Sócrates. Além disso, escreveu, entre outras obras, “A República”, uma utopia política ocidental; fundou a Academia, para que fosse uma instituição de ensino de Filosofia e Política para jovens atenienses; e constituiu o idealismo, doutrina filosófica que atribuiu ao conhecimento meramente racional e às ideias a centralidade na busca pela verdade sem possibilidade de erro.

O dever é um dos principais assuntos abordado pelo livro. Questões relacionadas à justiça ou à injustiça, coerência e convicção também podem ser tratados como assuntos abordados no diálogo. Na obra, o dever tem o sentido de “estar obrigado a”; a justiça ou injustiça tem relação com o que é “justo e merecido”, bem como com a “prática e exercício do que é de direito”, o que está em “conformidade com o direito”; a coerência é vista como a conformidade entre fatos e ideias; e a convicção é tida como a certeza de um fato de que apenas se tem provas morais, crenças ou opinião arraigada.

A seguir, será realizada uma exposição sintetizada do livro "Críton (o dever)”, de Platão, com algumas opiniões e reflexões sobre conteúdos específicos da obra.

O diálogo é iniciado com Sócrates questionando o seu amigo Critão sobre o motivo pelo qual havia ido visitá-lo tão cedo, de madrugada, e de não o ter acordado, admirando-se que o guarda da prisão o tenha atendido. Critão informa que realmente chegou cedo e que o guarda o atendeu por já estar acostumado com as suas visitas, além de dever-lhe alguns favores; que não havia acordado Sócrates porque desejava preservar a tranquilidade do seu sono naquele ambiente de aflição da prisão; que estava lá para dar a notícia dolorosa e desoladora da provável chegada, para aquele dia, do navio que anunciava a morte de Sócrates para o dia seguinte.

Tratando do dia da sua morte, Sócrates expõe para Critão o sonho que teve. Ao definir o sonho como estranho, Critão solicita a Sócrates que se ponha a salvo, argumentando que poderá vir a ter uma reputação vergonhosa pelo fato da população achar que ele (Critão), tendo os recursos necessários, não teria ajudado Sócrates a salvar-se. Diante dessa situação, Sócrates questiona o amigo se a opinião do povo é realmente importante, indicando existir gente melhor que cuidará que as coisas se passem como tenham passado. Então, Critão afirma que o povo é capaz de fazer, não os mais pequeninos dos males, mas os maiores; basta que entre eles se espalhem calúnias contra alguém.

Para Sócrates, o povo não tem a capacidade de promover os maiores males nem os maiores benefícios. Entende que o povo trabalha ao sabor do acaso. Em sua argumentação, Critão acredita que Sócrates está tentando evitar problemas para os seus amigos e afirma que é justo que o próprio Critão e os demais amigos corram perigo para salvá-lo; que Sócrates não deve desistir de salvar-se por eles, fazendo aquilo que era desejado pelos seus inimigos. Prossegue dizendo a Sócrates que ele comete uma grande injustiça entregando-se quando pode salvar-se, pois atraiçoa os próprios filhos, abandonando-os quando poderia criá-los e educá-los, que isso seria ter brio e agir como um homem virtuoso.

Prosseguindo no diálogo, Sócrates destaca o ardor de Critão, mas coloca-o como desacompanhado de retidão. Contudo, põe-se a examinar se devem proceder como Critão deseja ou não, pois assim é a sua natureza, a de seguir a razão que a sua reflexão demonstrasse ser a melhor, não sendo possível enjeitar, naquela situação de prisão e condenação, as razões que alegava no passado, abordando aspectos dos homens e de suas opiniões. Com relação a isto, Critão entende que é com razão que se diz que nem todas as opiniões dos homens devem ser acatadas e deve-se acatar a uns homens e a outros não.

Para definir se devem seguir ou não a opinião da multidão, Sócrates apresenta a situação de um homem que pratica ginástica, questionando Critão se o ginasta deve dar atenção ao louvor, à censura e ao parecer de toda a gente ou apenas a do seu instrutor, obtendo por resposta que só a do instrutor. Sócrates conclui, com a concordância de Critão, que o ginasta deve temer as censuras e folgar com o louvor do instrutor e não da multidão. Passa a tratar, então, da situação de desobediência do ginasta ao seu instrutor e ao acatamento dos anseios da multidão, questionando quanto às consequências e concluindo que o corpo do ginasta sofreria sem o regime saudável orientado pelo instrutor, arruinando-se por seguir a opinião dos não entendidos.

Sócrates questiona Critão se seria possível viver depois de arruinar o corpo, considerando o corpo como a parte do ser que se relaciona com a justiça e com a injustiça, obtendo uma resposta negativa, que não seria possível viver. Depois disso, Sócrates afirma que não é com a multidão que eles devem se preocupar, mas com a autoridade em matéria de justiça ou injustiça, a Verdade. Segue-se o exame ao princípio de que não se deve dar a máxima importância ao viver, mas ao viver bem; sendo o viver bem igual a viver com honra e viver conforme a justiça. Para Sócrates, corromper os guardas e promover uma fuga seria contrário à justiça, sendo melhor ficar quieto ou sofrer qualquer pena a ter que praticar uma injustiça.

Solicitando a Critão que o refute ou que cesse com a insistência para que ele saia (fuja) da prisão, Sócrates realiza novos questionamentos, obtendo a concordância de Critão de que jamais se deve proceder contra a justiça, nem mesmo para retribuir a injustiça com a injustiça, como pensa a multidão. Para Sócrates, não há diferença entre fazer mal a uma pessoa e cometer uma injustiça; entende que não se deve retribuir a injustiça, nem fazer mal a pessoa alguma, seja qual for o mal que ela tenha feito. Sócrates expõe a sua coerência ao afirmar que sempre pensou assim e que continuará com o mesmo pensamento independente das circunstâncias em que se encontra. Contudo, solicita a Critão que fale se persevera no princípio de outrora ou se tem outro sentir.

Indo em frente com o diálogo, Critão afirma perseverar no princípio que "uma convenção que se firma com alguém deve ser cumprida e não traída". Contudo, não sabe responder aos questionamentos de Sócrates, por não compreender as perguntas, de se a saída da prisão, a desobediência à cidade, lesaria alguém que não deveria ser lesado e se as convenções firmadas estariam sendo cumpridas. Visando contribuir para o entendimento, Sócrates pediu a atenção de Critão, indagando-o sobre o que poderia responder se a Cidade ou a Lei o perguntassem se pretendia destruí-las com a fuga. Pergunta se poderia responder à Cidade que ela o agravou, não o julgando conforme a justiça. Então, Critão responde afirmativamente, que essa deveria ser a resposta.

Fazendo um contraponto como sendo a própria Cidade e a própria Lei, Sócrates levanta o questionamento se elas falharam nos outros aspectos que teriam regulado de sua vida: no casamento dos pais, no seu nascimento, na sua educação. Leva a argumentação para colocar o indivíduo (ele) como propriedade da Cidade e da Lei, não tendo o direito de agir contra a Cidade ou contra a Lei quando estas se colocarem contra ele. Nesse ponto, coloca a pátria como sendo mais respeitável que aos próprios pais, sendo mais venerável e mais sacrossanta, sendo-lhe devida veneração, obediência e carinho. Expõe que cabe ao indivíduo executar as ordens da cidade e da pátria ou obter a revogação pelas vias criadas do direito.

Para Sócrates, a Cidade e as Leis poderiam considerar a sua ação de fuga, indo de encontro às suas determinações, como injustas, pois elas sempre lhe deram a liberdade de, não concordando com elas, juntar as suas coisas e partir para onde bem entendesse. Contudo, tendo visto como a justiça era distribuída, como o Estado desempenhava as suas atribuições e, mesmo assim, permanecido, convencionou com a Cidade e com as Leis cumprir as suas determinações, passando à réu no caso de desobediência. Diante da argumentação, Critão concorda que Sócrates se obrigou ao dever de cidadão de seguir o império das Leis e da Cidade.

Ainda se colocando como as Leis e a Cidade, Sócrates prossegue refletindo sobre as consequências de sua fuga, não só para ele como para os seus amigos e familiares. O ridículo abandono da cidade resultaria em uma reputação de inimigo das instituições, destruidor de leis, corruptor dos jovens, não lhe cabendo mais discorrer sobre o valor da humanidade, das virtudes, da justiça, da legalidade e das leis. O apego à existência o levará a não ser bem acolhido no Hades (submundo mitológico grego), pois terá retribuído a injustiça, o dano com o dano. É preferível partir como uma vítima da injustiça, pois este é o caminho por onde a divindade guia.

No diálogo, o dever de cumprir o que está posto pelas leis da cidade vai de encontro ao dever de autopreservação, havendo a necessidade de valorá-los e escaloná-los, o que é feito pelos personagens. No caso, o compromisso firmado com a cidade no sentido de cumprir as suas normas recebe uma maior importância, pois Sócrates entende que violar tal compromisso provocaria um mal muito grande, principalmente com relação à sua coerência. O sistema de ética e de moralidade que se impõe pode ser considerado como intrínseco à uma cultura de honra, no qual se impõe um grande sacrifício para o cumprimento. Logo, é possível observar que o senso do dever ultrapassa o da própria existência, desconsiderando a possibilidade de erros ou vícios humanos no sistema legal, no poder da cidade.

Em síntese, após um debate com o seu amigo Critão, Sócrates entende que é seu dever cumprir a sentença definida pela Cidade; que o não cumprimento provocaria mais problemas, comprometendo a própria cidade, não sendo coerente com o seu passado e com a sua conduta em outras situações. Como não conseguiu convencer os julgadores de sua inocência, que seria a alternativa dada pelo sistema legal da cidade, cabe-lhe obedecer a sentença de morte, não se apegando à existência.

O cumprimento do dever é o aspecto principal do diálogo. Contudo, entende-se que o pressuposto implícito é o de que o processo condenatório de Sócrates transcorreu de forma correta, isenta e justa. O dever de obediência pressupõe o devido processo legal com a isenção do julgador diante das partes envolvidas. Caso contrário, havendo parcialidade, o processo deixa de ser de um julgamento para ser de uma perseguição. Em um sistema distorcido, no qual aquele que deve aplicar a lei na justa medida, arvora-se como o dono da verdade, exclui por completo a possibilidade da parte envolvida levá-lo ao convencimento, pois já houve um pré-julgamento. Para que o raciocínio de Sócrates seja coerente e acertado, no qual só cabe a obediência à decisão do julgador, o processo deverá ter transcorrido de forma perfeita.

Por fim, a lei é uma baliza que mostra para os indivíduos os procedimentos entendidos como o correto pela sociedade, cabendo-lhes seguir. A obediência às leis é o que se espera dos cidadãos para o devido e harmônico convívio social. Contudo, esse sistema de leis não pode ser imutável, pois deve trazer em seu escopo as mudanças (avanços e retrocessos) normais de uma sociedade, pois fazem parte da natureza humana em sua eterna busca pela verdade. Assim, a obra de Platão provoca reflexões sobre aspectos do dever, da obediência, da justiça, da coerência e do comprometimento do indivíduo para com a sociedade (ou Estado) e do Estado (sociedade) para com o indivíduo, devendo ser extrapoladas do ambiente restrito do livro para a realidade diária.

Para aprofundar e detalhar mais as ideias apresentadas neste texto é importante que se busque a leitura completa do livro “Críton (o dever)”, de Platão, bem como conhecer um pouco mais sobre o autor. Para ambas atividades é possível encontrar material na internet.

ALGUMAS REFERÊNCIAS

PLATÃO. Críton (o Dever). Tradução Jaime Bruna. Disponível em https://doceru.com/doc/n8e1se. Acesso em 30 jan. 2024.

PORFÍRIO, Francisco. Platão. Mundo Educação. Disponível em https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/platao.htm. Acesso em 01 jan. 2024.

DEVER. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2024. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Dever&oldid=67597357>. Acesso em: 18 mar. 2024.

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